O CAMINHO DO DIVÓRCIO!
Imagine que você está de um lado do rio, e para chegar à outra margem tem que achar um caminho. Ainda não sabe como fará, apenas que precisa fazer essa travessia. Há uma voz que ecoa lá dentro, uma conversa interna que conduz a uma certeza: você não quer mais continuar onde está, como está e, principalmente, com quem está.
Quando o desgaste do vínculo afetivo acarreta o fim do projeto de vida em comum do casal, o conflito pode se instalar. As divergências são inerentes ao relacionamento. Fazem parte dessa fase de transição, que chamamos divórcio. Dentro desse, diversos divórcios coexistem, em diferentes momentos, com maior ou menor intensidade, mais ou menos duração para cada qual.
O artigo de Rafael Calmon[1], "As fases do divórcio e suas repercussões jurídicas", aborda o divórcio sob a ótica da multidisciplinariedade, que amplia o mapa do conflito, para além das questões legais. O diálogo entre diferentes áreas da ciência permite que a complexidade dessa ruptura possa ser desvendada.
Traz o autor que o mapeamento de sua estrutura foi descrito, pela primeira vez pelo antropólogo norte-americano Paul Bohannan no início da década de 1970, que o descreveu como uma jornada, ou um processo composto por diversos atos, ou seis fases, que geram repercussões sobre o universo jurídico.
Essas etapas tem seu início com o divórcio emocional, na qual um dos cônjuges se conscientiza de que os propósitos que os uniam não mais existem, de forma definitiva; a segunda seria o legal, que é a reunião de documentos para formalizar perante o judiciário os ajustes da separação; o econômico que respeita à partilha dos bens; parental, caso existam filhos será necessário fazer os ajustes do plano de convivência, alimentos, etc; comunitário que respeita à vida em sociedade, e o psicológico, que é a aceitação, o ponto final. Essas fases não acontecem necessariamente em todos os casos ou nessa ordem, de forma linear.
Como cada um enfrentará essa transição? Compreender e reconhecer os estágios em que se encontram cada parceiro é de fundamental importância para equalizar as diferenças. Enquanto quem pediu a separação está consciente de que o casamento terminou, e já elaborou o divórcio emocional, o outro pode estar, ainda, impactado por essa ideia, rejeitando-a ou com dificuldades para absorvê-la.
Como preencher essas lacunas? Como entender os seus meandros? Como isso pode ajudar as pessoas enfrentarem e superarem tantos desafios?
Lisa Parkinson, em Mediação Familiar, (2016, p. 87/88), ao discorrer sobre a teoria do apego e da perda, pontua a importância de sua compreensão, onde cada pessoa vive o divórcio de forma diferente; as emoções que cada um sente é única.
“A teoria do apego e da perda fornece meios para que possamos compreender as múltiplas perdas que ocorrem na separação e/ou divórcio, além de mostrar a importância do apoio dos membros da família durante este período doloroso. “As dimensões do sentimento de “pertencer” representam o cerne da experiência da separação e divórcio; formam um arco de parentesco com os outros criando os laços com tudo que precisamos para viver. O divórcio acaba transformando os laços familiares. Cada pessoa vive o divórcio diferente; as emoções que cada um sente é única. Os laços existentes dentro da família e as conexões com o mundo exterior só podem ser recriados depois de um logo período de tempo. A família precisa se reposicionar temporariamente enquanto novas bases são estabelecidas, novas vigas são colocadas em prática”. (HANCOCK, 1980, p.27)”
A perda de um companheiro, ou de um pai ou mãe pode ser especialmente traumática, deve-se ao fato de que essa pessoa que se foi era, muitas vezes, a figura do apego a que a pessoa “em luto” procuraria para apoio em um momento de crise
O luto pela morte do ente querido é frequentemente comparado à perda pelo divórcio, ficando essa em segundo lugar. A primeira pessoa a falar sobre as cinco etapas do luto foi a psiquiatra suíça-americana Elizabeth Kübler-Ross, em 1969, no seu livro Morte e Morrer.
Ao discorrer sobre “a montanha-russa emocional do divórcio”, no seu livro O Divórcio Colaborativo[2], as autoras trazem os ensinamentos dessa pioneira, discorrendo que o processo do luto tem começo, meio e fim, abrandando com o passar do tempo, até desaparecerem em três ou quatro anos. (2017, 23-24)
“Elizabeth Kübler-Ross, pioneira no movimento do home care, descreveu pela primeira vez os estágios do luto e da recuperação advindos de grandes traumas, a exemplo de um falecimento ou divórcio, da seguinte forma:
Negação: “Isso não está acontecendo comigo. É tudo em engano. É só uma crise de meia-idade. Podemos resolver isso.”
Raiva e ressentimento: “Como ele/ela pode fazer isso comigo? O que foi que eu fiz para merecer isso? Isso não é justo!”
Barganha: “Se você ficar, eu vou mudar” ou “Se eu concordar [dinheiro, criação dos filhos, sexo, o que for] em fazer do seu jeito, podemos ficar juntos de novo?”
Depressão: Isso está mesmo acontecendo. Não posso fazer nada a respeito, e não sei se consigo aguentar.”
Aceitação: “Tudo bem, é assim que as coisas são, e prefiro aceitar e seguir com a minha vida do que ficar mergulhado no passado.”
Portanto, reconhecer em qual estágio se encontra cada um é importante para a tomada de decisões. Quando a raiva ainda se faz presente, destilando energia destrutiva, a disposição é pela revanche, dificultando boas escolhas ou inviabilizando acordos equilibrados, que possam perdurar no futuro.
Segundo as autoras, a raiva é apenas um dos sentimentos, mas muitos outros estão presentes nesse emaranhado de nós, como a culpa, a tristeza, a vergonha, o medo ou a ansiedade. Cada qual emergindo com sua carga emocional, assim que o seu botão é acionado.
A vasta gama de estados emocionais que muitas pessoas experimentam durante os primeiros estágios do processo de divórcio pode diminuir sua capacidade de pensar com clareza, prejudicar seu discernimento e tornar decisões racionais algo difícil ou impossível.
Ainda, Lisa Parkinson[3], traz a importância de ajudar as pessoas a lidarem com a perda e evitarem o luto patológico ou crônico são: reconhecer a necessidade de viver o luto e reconhecer que a presença de emoções fortes e flutuantes são normais, e não anormais como elas pensam.
A diferença fundamental entre a perda de um parceiro pela separação ou divórcio, conforme aponta Emery e outros apontam (2010) é a maneira pela qual ela atravessa as fases da tristeza. Isto porque uma pessoa recentemente separada, em vez de passar por esses estágios de forma linear, ou seja, da negação à aceitação, tende a oscilar entre eles, às vezes incontrolavelmente. Esse modelo cíclico da tristeza é imprevisível.
Narra estudos comparando o luto pela morte e pela separação, onde a perda pela morte não é uma escolha, é uma perda involuntária.
A morte envolve funerais e “ritos de passagem”, que ajudam a estabelecer a realidade e a aceitar a morte como um fim; ao passo que um parceiro que foi deixado pode se recusar a aceitar o seu abandono como um fim. Manter contato com os filhos pode prolongar e intensificar a dor, pois transmitem lembretes constantes de que o ex-parceiro continua existindo, mas se recusa a voltar.
Essa passagem, também pode ser uma oportunidade de crescimento amadurecimento e aprendizagem pessoal, quando acompanhada por um profissional da saúde mental, que auxiliará na percepção e elaboração desses sentimentos, trazendo, as autoras de Guarda Compartilhada uma abordagem psicojurídica[4]: “Trata-se de um momento em que os membros da família necessitarão de todo o auxílio possível da rede social, desde a família extensa até os profissionais que, em função de ofício, entrem em contato com eles nessa situação.”
Diferentes divórcios coexistem nessa transição e cada um dos cônjuges os vivenciam a seu modo. Cada qual tem o seu tempo, seu processo de elaboração e amadurecimento. Compreender e respeitar essas diferentes etapas, contribui para que essa travessia seja feita da forma mais equilibrada e saudável possível. Afinal, não basta chegar ao outro lado somente; o importante é chegar bem e preparado para a nova fase que se inicia.
[1] CALMON, Rafael, As fases do divórcio e suas repercussões jurídicas" Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões, 39ª edição [2] TESLER, Pauline H, THOMPSON Peggy Divórcio Colaborativo, IBDFAM, 2017, p. 23-24 [3] PARKINSON, Lisa, Mediação Familiar. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 346 [4] CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta; MACEDO, Rosa Maria Stefanini, Guarda Compartilhada – uma visão psicojurídica. São Paulo: Artmed, 2016, p.61
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